Yasmina Reza

O deus da carnificina

Âyiné, 2021

ALAIN Minha senhora, ele tem que muitas coisas. Ele tem que vir até aqui, ele tem que falar, ele tem que se arrepender. Vocês visivelmente possuem habilidades que nós não temos. Nós vamos melhorar mas, enquanto isso, sejam um pouco tolerantes.

MICHEL Está bem, está bem. Não vamos entrar nessa.

VÉRONIQUE Eu falo por ele, eu falo pelo Ferdinand.

ALAIN Sim, eu já entendi.

ANNETTE Vamos nos sentar por mais dois minutinhos?

MICHEL Mais um café?

ALAIN Está bem, um café.

Annete e Véronique observam a pintura de Francis Bacon na capa do livro de arte sobe a mesa de centro: «Crueza e esplendor», diz uma, «Caos e equilíbrio», a outra completa. Tulipas, clafoutis, cafés, um conflito e dois casais tentando resolvê-lo da maneira mais civilizada possível.

Reunidos em um único cenário cujos elementos vão ruindo aos poucos, os personagens passam ao largo de cada tentativa de conciliação, e a ânsia por encontrar o justo equilíbrio e ordenar o caos resulta na exposição implacável da fragilidade, da ira, da incompreensão, de

inúmeros pequenos desaforos que fazem pesar o ar do apartamento friamente decorado, sua arena, e chegam ao mais humano e ridículo (também risível) que pode existir em cada um de nós.

Na peça O deus da carnificina a escritora e dramaturga francesa Yasmina Reza expõe a dificuldade de comunicação que impera entre nós, mesmo em um universo repleto de palavras, talvez justamente por seu excesso. A peça foi adaptada para o cinema pelo diretor Roman Polanski em 2011 e contou com a participação da escritora no roteiro.

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